Rituais da perseguição: o crime de stalking sob a lente da criminologia cultural nos juizados especiais do Distrito Federal

Abstract

Esta dissertação investiga como o crime de stalking é simbolicamente construído, performado e interpretado nos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal, à luz da criminologia cultural. Adotando como hipótese inicial a possibilidade de que a informalidade e os métodos consensuais poderiam favorecer a escuta e o reconhecimento das vítimas, a pesquisa revelou que tal expectativa se confirma apenas parcialmente. Fundamentada nos trabalhos de Ferrell, Hayward e Young (2019), bem como nas contribuições de Butler (2013), Bourdieu (2002) e Campos e Carvalho (2006), a análise se baseou em 33 casos empíricos acompanhados entre janeiro e agosto de 2024, a partir de uma abordagem qualitativa e do método da etnografia da experiência. A execução da pesquisa envolveu observação direta de audiências e sistematização das impressões em diário de campo. Os casos observados ocorreram majoritariamente em formato remoto e envolveram sessões de conciliação, instrução e julgamento e Justiça Restaurativa. A análise foi organizada em uma estrutura triádica (micro, meso e macro) e atravessada por quatro eixos teóricos: ritualidade e simbolismo jurídico; gênero e dinâmicas de poder; narrativas jurídicas e representações culturais; e impacto emocional e performatividade no espaço jurídico. Os resultados apontam que, embora a Justiça Restaurativa apresente potencial para acolhimento subjetivo, ela acaba por ser atravessada por formalismos que contradizem o princípio da informalidade, resultando em práticas que minimizam ou neutralizam as experiências das vítimas. Observou-se, também, a tendência de equalização simbólica entre vítimas e autores, o que, em muitos casos, invisibiliza as assimetrias de poder e o sofrimento gerado pela perseguição. Ao mesmo tempo, identificaram-se frestas institucionais em que a escuta qualificada e a responsabilização simbólica puderam produzir efeitos transformadores, ainda que episódicos. A conclusão é de que os Juizados Especiais, embora não sejam por essência inadequados ao tratamento do stalking, tampouco estão plenamente preparados para lidar com sua complexidade emocional, simbólica e relacional. A pesquisa propõe, assim, uma ampliação dos marcos institucionais de escuta e uma sensibilidade jurídica mais afinada com os conflitos contemporâneos.

This dissertation investigates how the crime of stalking is symbolically constructed, performed, and interpreted in the Special Criminal Courts of the Federal District, through the lens of cultural criminology. Starting from the initial hypothesis that informality and consensual methods could foster the listening and recognition of victims, the research revealed that such expectation is only partially confirmed. Grounded in the works of Ferrell, Hayward, and Young (2019), as well as contributions from Butler (2013), Bourdieu (2002), and Campos and Carvalho (2006), the analysis is based on 33 empirical cases observed between January and August 2024, using a qualitative approach and the method of ethnography of experience. The research was carried out through direct observation of hearings and the systematization of impressions in a field diary. The observed cases occurred mostly in remote format and involved conciliation, evidentiary, and sentencing hearings, as well as Restorative Justice sessions. The analysis was structured along a triadic axis (micro, meso, and macro) and traversed by four theoretical dimensions: juridical rituality and symbolism; gender and power dynamics; legal narratives and cultural representations; and emotional impact and performativity within legal spaces. The findings indicate that although Restorative Justice holds potential for subjective recognition, it is often permeated by formalities that contradict the principle of informality, resulting in practices that minimize or neutralize victims'experiences. A tendency toward symbolic equalization between victims and offenders was also observed, which, in many cases, obscures power asymmetries and the suffering caused by persecution. At the same time, institutional breaches were identified where qualified listening and symbolic accountability produced transformative albeit episodic effects. The conclusion is that although the Special Criminal Courts are not inherently inadequate for addressing stalking, they are not yet fully equipped to deal with its emotional, symbolic, and relational complexity. The research thus proposes an expansion of institutional frameworks for listening and a juridical sensitivity more attuned to contemporary conflicts.