O spending review como instrumento de “observação intersistêmica”

Abstract

Esta tese propõe uma reconceitualização do Spending Review (SR) como tecnologia de governança reflexiva e o aplica ao paradoxo central da educação básica brasileira: a ampliação contínua do financiamento público, sobretudo por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), não tem produzido ganhos proporcionais nos indicadores de aprendizagem. Adotando o referencial da Teoria dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann, argumenta-se que a questão ultrapassa a dimensão da escassez ou abundância de recursos e se enraíza em falhas de comunicação intersistêmica. Em outras palavras, a racionalidade econômica, estruturada na lógica do pagamento/não pagamento, não se converte em informação eficaz para reorientar a autopoiese do sistema educacional, cujo código fundamental permanece sendo a aprendizagem/não aprendizagem. A investigação recorre ao suporte teórico de Ulisses Schwarz Viana e João Paulo Bachur, incorporando ainda a Abordagem das Capacidades de Amartya Sen e Martha Nussbaum como critério normativo para aferir a efetividade das políticas públicas. Metodologicamente, o estudo articula três frentes: análise de normativas fiscais e relatórios de auditoria; estudo comparado de experiências de SR em países da OCDE; e um estudo de caso aprofundado sobre a governança do Novo Fundeb. Os resultados empíricos confirmam a hipótese de um descolamento estrutural entre gasto e resultado, evidenciado pela persistência do desempenho educacional brasileiro abaixo da média da OCDE e de países latino-americanos com esforço fiscal equivalente. Essa anomalia de baixa produtividade fiscal decorre de rigidez orçamentária e da captura política do orçamento, que limitam a inovação e a alocação baseada em evidências. Como resposta, a tese propõe um desenho institucional de SR na educação concebido como mecanismo de observação de segunda ordem. O modelo prevê que relatórios técnicos sejam submetidos a arenas ampliadas de deliberação envolvendo Executivo, Legislativo, Tribunais de Contas, conselhos educacionais e sociedade civil, de modo a articular racionalidades econômicas (eficiência), jurídica (legalidade), política (legitimidade) e pedagógica (aprendizagem). O objetivo é transformar o Fundeb, de modo que deixe de ser mero mecanismo de repasse automático e se torne um instrumento dinâmico de governança reflexiva, capaz de inaugurar um paradigma replicável em outras políticas públicas complexas, como saúde e assistência social.

This thesis proposes a reconceptualization of the Spending Review (SR) as a technology of reflexive governance and applies it to the central paradox of Brazilian basic education: the continuous expansion of public funding, especially through the Basic Education Maintenance and Development Fund (Fundeb), has not produced proportional gains in learning indicators. Based on Niklas Luhmann's Social Systems Theory, it is argued that the issue extends beyond the dimension of resource scarcity or abundance and is rooted in failures of intersystemic communication. In other words, economic rationality, structured on the logic of payment/non-payment, does not translate into effective information to reorient the autopoiesis of the educational system, whose fundamental code remains learning/non-learning. The research draws on the theoretical support of Ulisses Schwarz Viana and João Paulo Bachur, also incorporating Amartya Sen and Martha Nussbaum's Capabilities Approach as a normative criterion for assessing the effectiveness of public policies. Methodologically, the study combines three approaches: an analysis of tax regulations and audit reports, a comparative study of SR experiences in OECD countries, and an in-depth case study on the governance of the New Fundeb. The empirical results confirm the hypothesis of a structural disconnect between spending and results, evidenced by the persistence of Brazilian educational performance below the OECD average and that of Latin American countries with equivalent fiscal effort. This anomaly of low fiscal productivity stems from budgetary rigidity and political capture of the budget, which limit innovation and evidence-based allocation. In response, the thesis proposes an institutional design for SR in education, conceived as a second-order observation mechanism. The model provides for technical reports to be submitted to broader deliberative arenas involving the executive, legislative, and judicial branches, courts of auditors, educational councils, and civil society, in order to articulate economic (efficiency), legal (legality), political (legitimacy), and pedagogical (learning) rationalities. The goal is to transform Fundeb from a mere automatic transfer mechanism into a dynamic instrument of reflexive governance, capable of inaugurating a paradigm that can be replicated in other complex public policies, such as health and social assistance.